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3.3.10

vênus e desventanias



Levantei os olhos para Vênus, enquanto as mãos dentro da bolsa preta infinita, procuravam por fósforos. Encontravam óculos, balas e outros objetos insípidos. Me lembrei da náusea que sentia, no cheiro que morte me remetia, as portas e filas de hospitais e os bancos baldios de igrejas colossais. Mesmo que frequentemente não frequentasse, eu ainda assim gostava de templos, e desgostava do gosto do acelerado passar do tempo.
Há tempos que me entregava ao ócio. Oscilava entre prazer e culpa, toda minha falta.Entre nós, além de centenas de centelhas e alguns muitos quilômetros, havia uma, entre cerca de mil chances.
E me agarrei a ela, com olhar flutuante no ar parado, como palmeiras imperiais estáticas às seis da tarde, no horário de verão, quando o céu em brasa na linha do horizonte ainda arde.
Não encontro fogo, mas também me faltam as velas e as ventanias pra ajudar o correr do barco.
Tudo se tornou surreal, desde antes do último Natal e promessas exotéricas indicam, que tudo irá se estabilizar depois do próximo carnaval.
Fantasio.O Rei nu. A Rainha louca. A língua dele na minha boca. Toda sorte, nada pouca.
Bocejos lacrimejantes escorrem na madrugada de meia luz, enquanto as ruas da metrópole gemem sirenes e esquinas sufocam fartos prantos - sons bem distantes da infância vivida entre grilos, sapos e pirilampos.
- Alguém me descola um trampo, um baseado, um ar condicionado, um veneno, o endereço de um antro?
Me distraio com o não vento e faço das dele - das poucas horas possíveis, meu predileto passatempo. Lembro. E todo dia o busco.
Sempre chegava por volta das cinco, com um cigarro apagado no canto da boca e isso sim me deixava excitada, alucinada e com inspiração de louca. Coisa boa... Um querer bem, como no momento além dele, quase quero mais ninguém.
E apenas aguardava e sempre aguardava, suas palavras entrarem pelas frestas do meu corpo. Sempre exato e sob medida, para quem nunca mediu palavras, órgãos e feridas.
Guardava mágoas em exóticas caixas lacradas a vácuo, até o momento de soltar o grito: - "Eu te amo!"
Fato.
Nos dias em que sangrava, o meu grande martírio e prazer, era manter as mãos limpas e a mente suja. Me flagelavam então pequenas torturas, que brotavam intrusas na imaginação.
Era assim:
"Entre soldados, girassóis, e narguilês de ópio, lá estavámos nós dois, nus e refletidos pelo olhar, abismados por décadas de total desconhecimento, sem conseguir um ao outro alcançar, unidos e distantes, semelhantes, dormentes e entorpecidos, pela imposição do destino em nos impossibilitar de viver o tremor da carne além do encontro da alma, e saber do fundo dos olhos que nunca mentem. E era tão triste, mas também tão bonito esse amor a milésima vista, quando reconhecido e repousado sobre drusas de ametista..."
Desperto e reflito.
Talvez se em outros tempos, frequentássemos o mesmo hall de docentes, o mesmo caos de indecentes, o mal lavado lavabo de um bar de estudantes, talvez se não nos tivessem semeado nessa vida tão distantes...
Talvez, talvez, talvez... E se?
E se o telefone agora tocasse e fosse eu a lhe dizer sim, e sem limites e objeções ele simplesmente nos livrasse do não? E se ele me telefonasse de um número restrito e eu, por amor e instinto atendesse dizendo seu nome e isso, só isso nos livrasse de toda forma compartilhada de solidão?Vivo uma terça morta com cara de domingo, então apenas me distraio com meu reflexo na televisão desligada, enquanto o imagino em um quarto desconhecido, folheando um livro sem atenção em nada.
Penetro a madrugada, plastificada de tanto calor, torpor roendo a memória de um tempo - e não faz assim tanto tempo, em que mesmo agindo de um jeito torto, eu sabia que eu me sentiria vazia, se ele um dia se fingisse de morto.
Finjo que suporto, esse cansaço de falta de abraço.
Mas ando atenta aos tentáculos que se estendem, eu navego discreta e sedenta pelas tentações que nos prendem, escrevo por metáforas explícitas, me expresso de forma ridícula, apenas para fazê-lo me ouvir nas destroçadas linhas, enquanto o improvável desejado não nos aborda e caminhamos cambaleantes sobre a bamba corda.
" A esperança equilibrista, sabe que o show de todo artista... blá, blá, blá, blááááá..."
Sete dias, cinco sonhos e três gozos, que sua voz escrita não me acorda.
Minha boca o vê, até onde sei que ele não existe . Minha língua o lê em tela cheia, onde o guardo com cuidado e deságuo aquecimentos que ninguém vê.
E se já passa da hora, são quatro gozos que seu sussurro escrito entre gemidos, não me toca.
Não o toco, não o troco.
Sigo a pé, sem trocados e trocadilhos, com um amor infantil e vulgar, que me lança sem freios sobre seus dias , sigo sob a sina de Vênus e embebida na água doce, que produz essa vontade quase mania de tê-lo em pelo.
Espero pouco. Seu retorno, seu contorno, notícias com cheiro de éter e qualquer palavra chula, abençoada palavra qualquer, que me alivie a insônia e a anorexia, que causa essa desventania e essa vontade de ser a alegria, que o embriaga em doses de colher.
E foi assim, meio sem fim, dona de mim e sem nenhum controle sobre mim, que eu entendi o que é ser mulher.
Com os olhos em Vênus, encontro os fósforos. Acendo um cigarro, duas velas por nós dois, dedico um poema escrito no ar e faço cena ventando, me exibindo e sonhando enfim ser feliz, nessa brincadeira de não era uma vez, que não deixo pra depois...

(sheyladecastilhoº