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18.5.10

dois mil e sete e sobre noites atrás



Tinha medo de ter um filho dele, pensava em aborto e ao mesmo tempo pensava que poderia ser legal. Dúvidas, dúvidas...
Laboratório, ele segurando minha mão na hora da coleta de sangue. Carinhoso o filho da puta. Resolvemos abrir o resultado, mas só quando chegássemos em casa. Ele abriu.
- Caralho... Positivo. Seguinte, eu assumo, mas não quero que vc diga pra ninguém que o filho é meu. Vou contar apenas pro meu pai e porra, ele vai me matar.
Como não contar pra ninguém, se todos sabiam que praticamente morávamos juntos, se recebíamos amigos em casa, como se fosse nossa casa, se todos sabiam que eu era a mulher, a parceira dele?
Fiquei sentada sozinha na sala, chorando e perdido perdão pra semente plantada no meu útero pela rejeição daquele filho da puta, que era seu pai. Chorava, tinha ódio dele e raiva de ter me dedicado a alguém tão escroto.
Decidi fazer o aborto. Ele disse que tinha um lugar que a ex sempre fazia, custava 600 reais. Fui ver o lugar. Insalubre, mulheres acompanhadas de namorados, outras sozinhas folheando revistas como se fosse rotina, adolescentes ao lado de mães com o semblante preocupado. Nem me registrei, fiquei por cerca de meia hora sentada, observado, imaginado a história de cada uma e me impressionou uma garota com uma barriga já grande, ao lado de um rapaz com olhar infantil.
Naquele açougue, eu não seria homicida.
Pesquisei sobre as clínicas famosas de Botafogo. Uma rua chique, cheia de casarões enormes, com seguranças de gravata na porta e o valor bem mais caro: 1500 reais.
- Não tenho esse dinheiro todo.
Sabia que tinha. Aquele homem filho da puta que me dedicava, estava pouco se fodendo pra minha saúde.
Naqule tarde, tomei um porre de vodka, daqueles que se perde o rumo. A pousada cheia, verão, famílias se divertindo na piscina.
Cheguei na borda e tirei a saia, a blusa, e o biquini, fiquei nua, mergulhei, mães tiravam os filhos da área, pais olhavam disfarçadamente sedentos de rabo de olho, as mulheres com cara de raiva e eu falava:
- Tirem as crianças da piscina, estou mijando na água...
Uma argentina se juntou a mim e nua, nadava e gargalhava.
Ele pedindo desculpas, enquanto recolhia minhas roupas espalhadas pelo deck e vinha inutilmente com uma canga, pedindo para que eu parasse de show.
-Faz parte do meu show, meu terror!!
Dormi de bêbada, na cama que havia sido nossa.
Na manhã seguinte fui até o cofre e peguei os 2000 reais que achava serem suficientes para o aborto e os remédios e também para meu plano de sumiço. Eu merecia. E ele também.
A clínica chique, recepcionista sorridente.
-Assine aqui, aqui, me dê sua identidade e um telefone de contato, que não seja seu. Quando aparecer na tela luminosa esse número que estarei te dando, você vai seguindo o corredor, até a última porta a direita.
Recepcionista sorridente gerundiando... bleargh!
Na última porta a direita uma senhora também sorridente, me encaminhou pra uma sala verde com uma maca, onde esperei por meia hora sozinha. Ela voltou com uma toca de papel e uma camisola, que me deixou de bunda de fora e me encaminhou pra outra sala onde haviam outras mulheres de touca e bunda de fora, assim como eu.
- Com quantos meses você está?
- Meu marido queria, mas eu já tenho três.
- Estou começando a faculdade e tenho outros planos.
- Já estou sentindo enjôos, quero acabar com isso.
Eu, sempre muda. Péssimo lugar para se fazer amizades.
Me chamaram e veio uma médica sorridente, me deitei na mesa ginecológica e ela disse:
-Ah, vc está de pouco tempo, o útero está bem pequeno.
Foda-se.
-O método que usamos é de sucção. É tudo descartável ( me mostrando um treco branco parecendo uma seringa gigante). O procedimento dura cerca de 15 minutos, você tomará um anestésico e deve seguir estes procedimentos quando sair daqui. E me entregou um papel que não li.
-Ok.
Outra sala. Desta vez, um médico japa sorridente. ( Que diabos esse povo sorri tanto? ) Tinha um outro médico que se apresentou como anestesista.
- Muito prazer... (eu disse)
Nessa hora se fala qualquer merda.
E também tinha uma negona, claro que sorridente, amarrou meu braço... Eu completamente vulnerável, com as pernas arreganhadas pro japa sorridente. O anestesista veio, me deu um baque na veia e disse:
-Conte até dez... contei até cinco e acordei numa outra sala vomitando pra caralho.
Saí bem doidona, desatenta e fui almoçar num japa, em homenagem ao algoz da minha semente.
Nunca mais atendi os telefonemas do filho da puta.
Mudei de cidade e de número de celular.
Três anos depois o encontro no bar, sozinho... Me convidou pra sentar. Sentei.
Estava gordo. Seu nariz escorria de cheirar pó. Iniciou seu monólogo de auto piedade.
Me disse que se sentia sozinho, que tinha dinheiro, mas não tinha amor, sentia minha falta. Eu só conseguia dizer:
- Bem feito. Eu te avisei. Nem sinto muito.
E ele:
-Vamos pra um motel?
-Vamos.
Gostava de me testar.
Bebi vodka pra caralho até ter vontade de foder de novo com ele. Estimulada por um pornô na tv do motel.
Totalmente passiva e muda, gozei três vezes e já exausta disse:
- Vou nessa!
- Me faz gozar, linda?
- Bate uma bronha.
- Saudade da sua boca.
- Tô cansada, amanhã acordo cedo. Tenho que ir mesmo.
-(...)
- Pensei que fossemos dormir juntos.
- Não rola.
- A maré muda né?
- Avisa lá embaixo que eu vou sair sozinha... Bye!
Entrei no primeiro taxi e na rádio tocava Emílio Santiago..." Nosso apartamento, um pedaço de Saigon..."
Percebi pelo retrovisor meu sorriso de vingança, camuflado de malícia e relembrando " sinto tua falta", " se fosse hoje, faria tudo diferente"...
Dormi em paz e repetindo mentalmente:
-Bem feito, filho da puta...

(mesmo sabendo que nesse jogo, não existem vencedores.)


(sheyladecastilhoº

Um comentário:

Ana Marques disse...

cara...

o texto é tão cru.

e tão real...

E onde não vencedores, ainda podemos perder tanto!

seja como for, sem sorriso e sem alegria, o texto é ÓTIMO.