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4.4.10

presente


I



             Meu professor, meu professor favorito vindo em minha direção. Respire fundo e sorria... Isso garota. O dia tinha começado mal, mas estava melhorando. Hey Teacher! Não me olhe assim. Temos muita afinidade intelectual e, além do mais esse flerte é talvez a coisa mais próxima de sexo que tenho em… em muito tempo. Não me olhe assim. Não sou uma santa! Diabos. Sou simplesmente muito seletiva. Permito-me o prazer de olhar e quando escolho enfim, escolho mal, melhor não escolher por hora.

             Sofro por uns meses, mas é melhor esquecer porque ele é casado apesar daqueles olhares de tirar o fôlego. É só repetir como um mantra que isso é só na minha cabeça. O único indício além dos olhares está no fato de que, do nada ele passou a falar na mulher em toda aula, como um aviso, não sei bem se para mim ou para ele mesmo.
             A paixonite vai passar, mas o fascínio da duvida é que é o diabo.
             Hoje, ultimo dia de aula eu saio da sala dou um adeus universal, mas me enrosco na escada com alguns colegas e ele desce sorridente olhando pra mim, reclama da balbúrdia na escada e começa um estranho ritual de despedida que não termina nunca. Ele não estará na Escola ano que vem por conta do doutorado, e parece pesaroso.
             Não tirou os olhos dos meus e eu fui à única entre as seis ou sete mulheres da escada que recebeu um abraço e um beijo no rosto. O sorriso melancólico nos olhos, o dia nublado faziam piorar meu sentimento perda.
             Eu dei um passo à frente assim que seus olhos escureceram, acostumando-me à escuridão eu sorri. Havia algemas presas àquele olhar, ou aos meus talvez. Prendemo-nos, mas ainda assim partiu.

II
             Sabe aquela sensação de saber, exatamente, o que não fazer? Era essa a sensação que eu tinha ao olhar pra ela. E essa sensação nada tinha com o fato de ser professor. Não ligo pra isso. Era apenas auto-preservação, instinto. Aqueles olhos, aquele cheiro bom na curva do pescoço me faziam ter idéias bem detalhadas sobre o que fazer, mas minha consciência me dizia pra não fazer.
             Ela me lembra outra garota, uma que matei anos atrás. Era uma menina estranha, cujos olhos também falavam mais do que ela. Vagava pelos corredores de outra Universidade em que lecionei meio distraída e solitária. Esbarrei com ela numa noite em que estava faminto e em que minha consciência dormia suavemente embalada pelos Bloody Mary que tinha bebido.
             Qual a surpresa? Nem só de sangue vive um vampiro, embora deva dizer que nada exista de mais gostoso, bebo de tudo, posso comer qualquer coisa, inclusive menininhas distraídas e etéreas. Posso andar a luz do sol, embora doa um pouco, mas roupas escuras e filtro solar amenizam isso.
             Onde eu estava? Ah sim... A garota. Pois é ela deu azar, mas devo dizer q não doeu nada. Fui rápido, estava mesmo faminto. O diabo foi ter aberto o caderno que ela carregava. Páginas e páginas cobertas de letra miúda que me fizeram sentir miserável.
             Matar poetas dá azar e partilhar seus tormentos também.
Os olhos dessa são iguais aos da outra e aposto que ela tem um caderno repleto de poesias em algum lugar.
             Meu tempo naquela cidade tinha se esgotado, precisava sumir. Logo ficaria complicado explicar aos colegas porque eu não mudava, não envelhecia, mas aquela garota me tentava.

III

             Há vários tipos de silêncio, de alguns eu até gosto, mas hoje eu me senti cercada por aquele tipo que acontece nos filmes antes da catástrofe acontecer, antes do assassino aparecer. Não gostei desse silêncio, era aterrador.
             O campus parecia deserto enquanto escapava logo depois da segunda aula. Ouvia meus passos ecoando no silêncio devastador e me senti dentro de um filme de terror antigo. Sabe aquele momento em que você, vendo o filme tem vontade de avisar a personagem que o monstro está bem ali e a tonta não vê? Pois é. Ninguém me avisou.
             Cheguei à rua ainda distraída por essa sensação, foi quando o vi na outra calçada sorrindo pra mim, um cara muito esquisito. O silêncio, aquele sorriso, meu sono tudo contribuiu para me trazer um medo súbito. Apressei o passo. Corri a esmo. Fugi até chegar à multidão, ao caos da cidade. Não ousei olhar para trás, de alguma forma sabia que ele estava perto, como nos filmes eu ia sumir e ninguém notaria.
             Vi um taxi parado do outro lado da rua. Me meti no meio do transito,correndo,com medo de nada,do silencio e daquela sensação. Não demorou muito e ouvi uma freada brusca, uma batida,acho que voei, depois senti algo quebrar na minha cabeça, fez um barulhinho esquisito. Antes da escuridão eu vi o sorriso de novo.
IV

             — São Verdes! Torci para que fossem assim.
             A primeira coisa que me disse quando abri os olhos. Tonta demais para falar. Falar? Eu mal conseguia pensar. Ainda assim, creio que franzi a testa. Era uma frase estranha.  Ele sorriu e tocou minha testa.
             — Seus olhos... Verdes como o mar. Gosto deles.
             Meus pensamentos arrastavam-se devagar em fileiras confusas de idéias desconexas. Não conseguia me mexer. Queria estender a mão para tocar nele, para ter certeza que era real. Um estranho gentil. Tinha olhos de uma cor que eu não conseguia definir, um tom cinzento. Debruçado sobre mim, dava-me uma sensação incômoda e falsa de intimidade.
             — Quem...
             — Não tente se mexer. Fique quietinha... Quem sou eu? Era o que ia dizer?”
             — Sim.
             — Ia te fazer a mesma pergunta... Quem é você?
             Não pude responder ou perguntar mais nada. Uma dor lancinante fez-me gemer. Fechei os olhos. Acho que ele me beijou, não tenho certeza, depois me deu algo para beber e sussurrou.
             — Não precisa lembrar agora. Descanse!

V
             Não havia ninguém espiando a cor dos meus olhos quando os abri no segundo dia. Chamo de segundo dia, mas não saberia precisar quanto tempo dormi se de fato era dia ou se era noite ainda.
             Uma luz neon iluminava o quarto, que se resumia a um quadrado branco sem janelas. Contei as rachaduras do teto para me distrair, ninguém abriu a porta. A cabeça doía de forma atroz. Tentei falar, mas não consegui emitir nada além de um grunhido estranho. Tentar lembrar quem era também doía.
             Quarenta e cinco. Eram quarenta e cinco rachaduras no maldito teto.  Adormeci e sonhei com fogo e sangue.


VI

             — Obrigada por vir. Sei que não a quer.
             — Não quero mesmo, mas você quer.
             — Pode ajudar? Eu poderia tentar, mas ela está ferida demais... Iria demorar demais.
             — Olha o que o desgraçado com a cabeça dela!
             Eu os ouvia como ecos distantes, vozes sem corpo. Semi-consciente. Abri os olhos depois de algum tempo. O mesmo teto, a mesma lâmpada, a mesma dor. Eu estava morrendo, podia sentir. Então eu falei. Melhor dizendo: pensei. Sei agora que eu não poderia falar. Na época eu não distinguia uma coisa da outra.
             — Amanda. Sou Amanda.
             O nome tinha vindo repentinamente junto com uma vaga noção de quem eu era.
             — Você lembrou!
             — Ela não deve se esforçar demais.
             Achei aquela frase engraçada. Esforçar-me? Mexer os olhos era todo o meu esforço. Estava presa em meu corpo. Pensei que estava morta, presa em algum tipo de limbo.
             — Não. Você não morreu. E definitivamente nenhum de nós é anjo ou demônio... Ao menos não exatamente.
             Ele sorriu enquanto o outro. Que tinha olhos azuis e gelados fez uma careta.
             — Você teve sorte de ser um presente!
             Fechei os olhos, a dor me deslizando para o reino do lusco-fusco onde nada fazia sentido.
             — Toma. Acho que é o bastante.
             — Então dê a ela!
             — Não me peça tanto. Dou a você e você mesmo cuida da sua presa.
             Senti que um líquido morno tocava meus lábios, despertando os sentidos por onde passava. Acordando meu paladar. A dor diminuiu. Deixando apenas um leve tilintar na raiz dos cabelos. Abri os olhos e o vi beijar minha testa. Olhos cinzentos e preocupados.
             — Durma agora.
             Obedeci.
VII

             Há vários tipos de vampiros,há aqueles que detestam o que são e sofrem a cada morte que causam,acho que sou um desses. Dentro desse grupo existem os mais corajosos que se matam e os covardes que vão vivendo, matando para isso, mas cheios de consciência inútil, acho que sou um desses.
             E há aqueles que adoram o que são. Matam sem piscar. O cara que quase pegou Amanda é um desses. Ia matá-la para mim, já que, segundo ele eu a queria. O carro não estava nos planos, é claro.
             Ele a trouxe aqui para que eu a cure, mas não sou um anjo curador, embora meu sangue antigo possa curar pequenas feridas, mas não algo assim. Estou apenas adiando a morte dela. Tenho duas escolhas bem simples a primeira é deixar que morra e a outra é trazê-la para mim.
             Aqueles olhos, aquele cheiro bom na curva do pescoço me faziam ter idéias bem detalhadas sobre o que fazer, mas minha consciência me dizia pra não fazer. Um gole de vinho, fez com que falasse mais baixo.

2 comentários:

# Poetíssima Prida disse...

Vinhos.. são os melhores amigos da vergonha!

Haha!

Parabéns!

Eu amei e já sou assinante da revista, desde já!

Abraços!

Ruy Villani disse...

Eu quero um livro de contos da Rosa! Já!
Só você para me fazer ler um texto desses na tela do notebook.
Beijos.