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26.1.09

A mentira nossa de cada dia

Eu não sou o tipo de pessoa que abomina – ómeudeus! – a mentira. Bem o contrário disso, alíás, é preciso que se diga sem medo que a mentira pode, sim, ser uma coisa boa, muito distante da acepção carregada de significâncias, todas horrendas, que vêm embutidas na idéia de que alguém mentiu pra gente. Porque, mais do que um artifício utilizado para nos enganar, trair, prejudicar, a mentira pode funcionar como uma poderosa aliada para suavizar o fardo de estar vivo, de ser feio, de ter o pau pequeno, de não ter talento, de ter mau hálito crônico, de ter o filho mais pentelho do universo... a mentira, meus caros, é muita vezes a dose essencial de fantasia e ludismo necessária à manutenção da nossa sanidade.
Por sua vez, a verdade, aquela mesma amplamente decantada, a tal conhecida como nua e crua, é de uma chatice incomensurável: sem brilho, sem cor, sem movimento, despida de emoção e, quase sempre, altamente desinteressante. Não falo aqui, naturalmente, das grandes revelações, quando a verdade é um twist acachapante ou doloroso ou cruel ou tudo junto. Eu trato verdade comezinha, trivial, que é bege-paisagem, não tem slow motion nem trilha sonora especial. Numa metáfora tosca, a verdade é o jornal nacional e a mentira é a santa novela: o primeiro é um urubu nos rondando do alto, como a indicar que em breve seremos carniça – nem o charme deliciosamente grisalho de William Bonner nos distrai do fato de que estamos perdidos, agora é só esperar o fim. Já a segunda faz a gente se despir da chatice da realidade, do trânsito insuportável e das contas vencidas esperando melhores dias, para mergulhar nos amores que nunca viveremos, no modus vivendi do núcleo rico, coisas que só numa novela conhecemos como são.
Se você, leitor, é como a maioria das pessoas que eu conheço, está nesse momento se contorcendo em esgares, arfando o seu pobre peitinho em palpitações alucinadas, os olhinhos coloridos pulando das órbitas enquanto pensa, indignado, “essa mulher é louca”. Em verdade, vos digo: não sou, decerto, a mais normal das pessoas, mas continue a leitura, acompanhe os tópicos que abordarei para defender minha teoria e me dê a oportunidade de tapar a sua boquinha com a minha incontestável coerência. Eu aposto que você vai querer me abraçar no final.
Algumas mentiras que ouvimos, desde a tenra infância, são benéficas, bondosas, ajudam a formar seres adultos mais suaves, generosos, positivos, benevolentes, esperançosos, fortes. Quem de nós não se esforçou para estar à altura do bem-querer do bom velhinho Papai Noel – e assim não ficar sem presente? Mais que isso: quantos, dentre nós, não tiveram o coração palpitando de antecipação numa manhã de Natal, ao acordar bem cedinho para se aventurar pela casa, procurando onde é que foi que ele deixou o presente esperado? Do mesmo modo, nos consolamos toda vez que a vida nos dá porrada, porque alguém nos levou a acreditar que o sofrimento edifica o caráter e nos torna mais fortes – só dá para amadurecer se for sofrendo. Será?
Outras mentiras são essenciais para que não cometamos um suicídio sumário antes dos 25 anos, como as que os amigos nos contam quando nosso amor vai embora sem aviso prévio: “ele(a) jamais vai encontrar alguém como você”; “deixe estar, ele(a) vai cair na real e se dar conta do que perdeu”; ou “ele(a) está num momento ruim, não tem nada a ver com outra pessoa na cena”... Mesmo se ele(a) se casa 3 meses depois e vive feliz pra sempre sem você, as mentiras dos amigos são as únicas ferramentas eficazes para atravessar a tempestade. Cachaça e rivotril também têm lá o seu valor, mas sem as abençoadas mentiras daqueles que nos amam, a vida perderia de lavada.
Há ainda as mentiras contadas para tornar suportáveis as conveniências ou as inconveniências anatômicas que não podemos mudar, como a altura, formato das orelhas, circunferência da cabeça, tamanho do pé. Todo mundo repete – e todo mundo finge que acredita – que tamanho não faz diferença. Essa mentira tantas vezes contada e tantas vezes reiterada ganha status de verdade absoluta, a ponto de ninguém mais raciocinar com um mínimo de isenção e clareza. Fica combinado que, a partir de hoje, azeitonas e melancias são iguais em aura, tudo mais que se diga é irrelevante. Estão salvos os portadores da síndrome do pau-pequeno, que têm assegurado o direito de se iludir achando que mulher não liga para tamanho. Tá certo.
Há outros tipos de mentiras que nos estragam, mas de tão importantes e definitivas, merecem tópicos especiais. Por ora, encerro meus argumentos perguntando a você, caro leitor, o que você acha que seria da vida se lhe dissessem a verdade, somente a verdade, nada mais que a verdade?
Você aguentaria?

*
Crédito da foto: http://pasquale.xurumelas.com.br/wp-content/uploads/2008/07/mentira_dedo_cruzado.jpg

9 comentários:

Larissa Marques - LM@rq disse...

Ler Nalu Nogueira é sempre muito bom! Mas nalu em um blog criado or mim é um deslumbramento!
Adorei o testo e o tema, amada!
Seja bem vinda!

Anônimo disse...

Obrigada, Larissa! Espero poder estar muito presente, ler todas as maravilhas que aparecem por aqui a escrever sobre coisas que possam interessar nossas amigas.
Beijo e vamo que vamo, ao sucesso!

Klotz disse...

Quem é essa mulher que pensa ser a dona da verdade?

Só mulheres gostosas, bonitas, sensuais, inteligentes, sedutoras, poderosas e bundudas seriam tão atrevidas!

TH disse...

kkkkkkkkkkkkkkkkk
Juro, quando eu crescer vou ser igual a vc: uma brastemp!Adorei e ponto final!

Larissa Marques - LM@rq disse...

Vejam só, mais leitores novos no pedaço!
Isso é muito bom!

Anônimo disse...

Ah, esses meus amigos são ótimos!
Obrigada, Klotz! Obrigada, Thamar. E vamoquevamo!

ükma disse...

Nalu, adorei seu texto. Minha relação com a mentira é muito tranquila, pois tenho consciência que jamais estou mentindo para alguém, e sim, minto para mim mesma.

A gente sabe quando mentem pra gente e se acreditamos, é para nos enganar, porque ás vezes, as ilusões são melhores do que a realidade que não queremos enfrentar.

beijosss

Ana Marques disse...

Li duas frases e pensei: esse texto é da Nálu.
Não deu outra...

Nálu? Perfeita como sempre.
Sempre.

Anônimo disse...

Muito interessante o seu texto, gostei de o ler.

Deixo um artigo para complementar o seu.
Lista das 10 mentiras mais usadas pelas mulheres:
http://utilnet.blogspot.com/2009/03/lista-das-10-mentiras-mais-usadas-pelas.html


Abraço,
Miguel (Utilnet)