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15.11.09

3 DIAS



A mensagem chegou num daqueles momentos em que a linha entre loucura e sanidade em que equilibrava sua vida estava quase translúcida de tão fina. O sol estava bem no meio do céu e o calor retirava dela qualquer vestígio de bom humor. Talvez por isso não tenha respondido. Enfiou o celular no bolso da calça, ignorou a pontada de ansiedade que lhe esmagou o peito e subiu sem pressa estrada tortuosa.
O aparelho tocou avisando da chegada de mais uma mensagem. Apertou os olhos para ler melhor as letras miúdas do celular. Deletou a mensagem e tratou de esquecer o assunto, ele pertencia a uma outra vida. Que tinha ficado para trás junto com os móveis, o computador e a correria da cidade.
Sentia-se bem mais segura ali naquele lugar onde estava perambulando há dois dias. A população era de pouco mais de 40 mil pessoas e a pensão em que tinha se hospedado ficava numa ruazinha estreita e tranquila, onde alguém teve a infelicidade de sugerir que ir até a velha estação de trem seria um bom passeio.

O telefone não tocou mais e ela afinal chegou ao velho prédio onde o mato crescia entre os dormentes e se estendia por todo o terreno, tudo era quieto e silente. Uma brisa suave soprou agitando os galhos das árvores próximas. Ela parou e sentou um pouco à sombra do velho prédio que tinha pequenos arbustos brotando das rachaduras e fechou os olhos.

"Você se escondeu bem dessa vez."

Ela abriu os olhos e encarou-o, séria.

"Pelo visto não tão bem assim. Você não me deixa sumir."

"...não...não deixo. Preciso te ver sempre e você me prometeu três dias inteiros. Lembra?"

Uma nuvem escura cobriu o sol e ela continuava com a sensação de estar num mundo paralelo.

"Como me achou?"

Ele sorriu, fazendo com que os cantos dos olhos se enrugassem.

"Mágica."

"Há quanto tempo está aqui? Há quanto tempo está me seguindo?"

"Você tá muito gata com esse olhar assustado."

"Quanto tempo?"

"Desde que você surtou em São Paulo. Já te disse que só quero meus três dias. Depois vou embora e se você quiser nem telefono mais."
"Que ideia! Não posso passar três dias trancada com você."

"Pena. Tinha esperanças que fosse cumprir a promessa. "

"Não dá e como você disse eu surtei. Vim pra cá ficar longe de todos e isso inclui você."

"Certo, mas já que eu vim de tão longe e você fez com que eu me arrastasse até aqui sob o sol de meio dia, vai ao menos me deixar dividir essa sombra e um pouco d'água com minha terapeuta favorita."

Ele sorriu de um jeito que ela não conseguiu definir, entre malicioso e ingênuo e lhe estendeu a garrafa de água mineral. Ela pegou a garrafa bebeu um pouco e deixou que ele se sentasse ao seu lado.

"Como estão as coisas?"

"Tudo na mesma, poluição, barulho, gente demais. Sem você a cidade perde a graça."

Ela riu e bebeu um pouco mais da água, ele a observava com o canto do olho. Uma cigarra começou a estrilar em algum lugar ali perto.

"Uma cigarra. Você ainda gosta delas?"

Ele recostou a cabeça na parede coberta de musgo.

"Claro. Elas me lembram você."

"Também me lembram você. Tem tomado os remédios? Tá se sentindo melhor?"

Ele balançou a cabeça em resposta e se voltou para ela, que bebia o último gole de água.

"Estava perdidão,tava pensando agora mesmo como minha cabeça esvaziou. Impressionante! Não sei se são os remédios,mas não penso em nada, fora você. A impressão que eu tenho é que não tenho passado, nem futuro...incrível!"

Ela percebeu que mal estava ouvindo o que ele dizia, enquanto o sorriso dele se alargou. Parou de falar e ficou observando um pouco a moça.

"O que você..."

Ele a puxou para perto e fez com que se deitasse em seu colo. Ela não reagiu.

"O que eu fiz? "

Ele acarinhava o cabelo da mulher carinhosa e displicentemente.

"Batizei a água. O cara de quem comprei disse que funciona ainda melhor com álcool, vou ter de te fazer beber quando chegarmos ao carro."

Ele achou que ela estava ainda mais bonita assim entregue. E a beijou devagar., a princípio ela não reagiu, mas depois correspondeu. Ele voltou a acariciar os cabelos dela enquanto falava, mais para si mesmo do que para a mulher que não lembraria de nada mesmo.

"São só três dias e eu vou cuidar bem de você. Vamos pro carro."

Ele a amparava enquanto seguiam pelos trilhos no sentido oposto ao que ela tinha tomado. Chegaram a uma van estacionada atrás da velha estação. Ele a colocou sobre os edredons que já havia arrumado , na parte de trás do carro.

Ela abriu os olhos. Ele a beijou de novo e lhe deu uma taça de vinho.

“Onde estamos?”

“No trem. Não vê?”

“ Trem?”

“ huhum, vamos viajar juntos, como combinamos.”
Ela fechou os olhos e ele fez com que bebesse todo o vinho. Ele tinha escolhido um muito bom,bebeu também e depois a fez deitar. Passou para o banco da frente e dirigiu até a casa que havia escolhido e preparado. Levou-a no colo até o velho quarto decorado com móveis coloniais.

Ela seguia entre acordada e dormindo, obediente como uma criança.

“ Abre os olhos”

Ela abriu.

“Isso. Agora deixa tirar essa roupa.”

Ela se deixou despir enquanto ele beijava cada parte que descobria.

“Agora diz que me ama.”

Ela repetiu a frase, obediente e cordata.

Rosa Cardoso

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